Victoria´s Secret e Natura no contexto ESG: o “S” por trás da imagem das empresas, do mercado de consumo e da diversidade
Por Livia Cuiabano
O mercado de consumo passou por mudanças
súbitas e irrefutáveis aceleradas pela pandemia. Sob o olhar do Compliance,
vemos o quanto essa alteração está intrinsecamente vinculada à necessidade que
urge, na nossa sociedade, de falarmos e agirmos a respeito da diversidade e da
inclusão, no âmbito de outras medidas ESG (Environmental, Social and
Governance), que vieram para ficar.
A sigla em inglês diz respeito às melhores
práticas ambientais, sociais e de governança do mercado, num panorama que
vincula conceitos como lucro, investimentos, responsabilidade e
sustentabilidade. Neste cenário, nunca foi tão importante a cultura
organizacional refletir valores uníssonos - e positivos - da instituição, na
mesma medida em que nunca foi tão palpável se certificar sobre o quanto tais
valores e paradigmas culturais ditam a aceitação de seus produtos e serviços no
público. Os consumidores não compram mais “itens”, eles compram o espírito, a
mensagem, o engajamento e a representatividade que aquela marca ou empresa
carrega consigo. O que isso tem a ver com diversidade (e, consequentemente,
inclusão)? Tudo.
Recentemente foi divulgado que a famosa
grife feminina de acessórios e lingeries Victoria’s Secret, uma potência na
indústria da moda por longos anos, declarou falência. A medida foi o resultado
de um período inusitado enfrentado pela empresa, considerando-se a costumeira
abundância com a qual era vista por décadas. A mensagem embutida nos desfiles
opulentos, de beleza, sofisticação e perfeição tornou-se, com o sucesso
estratosférico e constante da marca, uma referência a centenas de meninas,
desejosas para se assemelhar ao padrão das mulheres que recheavam os materiais
publicitários e os ovacionados desfiles da marca.
A estratégia de celebração daquele
estereótipo encontrou, contudo, algumas barreiras no mundo que está se
transformando a toque de caixa no cenário que vemos hoje. Aos olhos das novas
gerações, marcadas pelo crescimento do ativismo feminino e desconstrução de
velhos paradigmas e tabus, este modelo tão estanque é inadequado. Para não
dizer, no mínimo, antipático. Não condiz mais com discussões travadas hoje em
dia a referência da mulher perfeita, antes marco de sucesso da empresa.
Atualmente, ela amarga perda de reputação e um declínio vertiginoso em volume
de vendas e participação de mercado. O endeusamento de um padrão único perdeu
lugar, e os números, não apenas na indústria da moda, mas em outros mercados,
mostram isso.
Há pouco a companhia de cosméticos
Natura experimentou uma alta de 6,7% nas ações após toda a polêmica gerada pelo
lançamento da campanha de dia dos pais, protagonizada pelo ator e influenciador
digital Thammy Miranda. Enquanto a empresa se viu em meio a inúmeros ataques
transfóbicos desde a menção da participação de Thammy nas campanhas
publicitárias, em contrapartida ganhou outros inúmeros fãs alinhados com o seu
propósito inclusivo, reflexo dos pilares de sua cultura organizacional. Somente
no Instagram, a empresa chegou a ganhar mais de 20 mil seguidores em apenas um
dia, bem mais que a média habitual.
A diversidade de gênero, etnia,
orientação sexual, religião, idade, nacionalidade, características e
habilidades físicas, língua, sotaque ou quaisquer outros aspectos que diferem
um indivíduo de outro é a realidade do mundo em que vivemos. A inclusão,
propulsionada por ações como esta da Natura, é uma escolha. A empresa, ao
lançar a campanha do dia dos pais, demonstrou perceber a urgência dessas ações,
fomentando-as como um dos pilares estratégicos na agenda de ESG, as três
letrinhas que têm transformado o papel das empresas no mundo. Outras, de visões
tradicionais e encapsuladas - como a grife de lingeries antes citada - perderam
mercado numa velocidade crescente.
Os casos citados como exemplos de
posturas acertadas - ou não - não são isolados. Nos últimos anos, dezenas de
ações coletivas ajuizadas nos EUA pleiteando indenizações por discriminação
racial e assédio sexual resultaram em prejuízos financeiros vertiginosos a
várias empresas, enquanto movimentos como o #Me too pulverizaram temas
ligados à diversidade como trending topics na sociedade.
O combate ao preconceito e discriminação
está na ordem do dia na cartilha dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável dentro da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU),
estabelecendo metas para reduzir a desigualdade social e alcançar a igualdade
de gênero, por exemplo.
A formalização do compromisso é
importante por jogar luz sobre a preocupação global, mas é preciso ir além. No
contexto cultural machista, racista e heteronormativo tão enraizado na
sociedade em que vivemos, precisamos ser agentes transformadores ativos dessa
cultura, agindo como efetivos sponsors dessas agendas em todos os momentos
de nossas vidas, não apenas na "janela" de reuniões e congressos: é
sobre não encaminhar aquela piada ou meme inconveniente recebido no grupo da
família ou amigos a outros contatos de whatsapp, por exemplo. São mudanças
vagarosas, aparentemente pequenas, talvez até trabalhosas, por interromper
impulsos automáticos arraigados. E, exatamente por isso, tão poderosas.
Na mesma linha, assimilar o tema
diversidade e inclusão como bandeiras importantes nas corporações significa que
o compromisso deve transcender a elaboração formal de normas internas, sendo
customizadas políticas e ações afirmativas para aquele determinado ambiente,
momento e contexto, analisando-se previamente a maturidade da empresa. Deve-se
adotar gatilhos educacionais e buscar mecanismos para ampliar a consciência,
por mais subjetivos que possam parecer os conceitos, exemplificando que
comportamentos devem mudar ainda que tenham sido tolerados por muitos anos.
Esse será o verdadeiro combustível de
mudanças, que, em última instância, também se traduzirá em maior aceitação de
mercado, mais inovação, mais perenidade, mais solidez e mais lucro para a
empresa. É um exercício de equidade, tão necessário: identificar e assumir as
particularidades e vulnerabilidades, e, estudando-as, acertar nas medidas de
reparação para amenizar a desigualdade estrutural e sistêmica em que estamos
inseridos. Isto sim é entender, pensar e agir sobre diversidade e inclusão.
Livia
Cuiabano é consultora pleno de compliance na ICTS Protiviti, empresa
especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna,
investigação, proteção e privacidade de dados