*Por Rivaldo Ferreira
e Márcio Pires
O surgimento da ANEEL
(Agência Nacional de Energia Elétrica), assim como de outras agências
reguladoras no Brasil, seguiu uma tendência observada em outros países e teve
certo viés de contrapartida ao processo de privatização ocorrido na década de
90. A demanda surgiu a partir do pressuposto de que a transferência da
prestação de um serviço público federal a agentes privados deveria ser
acompanhada de uma base mais sólida e de um maior rigor no exercício das
funções de regular, fiscalizar, mediar e definir tarifas, com vistas a preservar
o interesse público e garantir o equilíbrio do mercado.
Isso porque o fornecimento
de energia elétrica é de competência da União, que pode executá-lo diretamente
ou mediante concessão (ou permissão). Vale lembrar que agências reguladoras,
como a ANEEL, devem atuar com independência em relação aos interesses de três
partes diretamente envolvidas: o prestador do serviço, seu público consumidor
e, finalmente, o próprio governo, buscando sempre conciliá-los.
Passados esses primeiros
20 anos de atividades da ANEEL, qualquer balanço que se queira produzir sobre
os resultados de suas ações no período resultará em algo certamente
influenciado pelas diferentes visões de distintos atores que se disponham a
fazê-lo e, portanto, carecerá de unanimidade. De todo modo, o saldo é positivo.
A regulação do setor
elétrico tem mostrado que sua construção ocorreu com solidez suficiente e
necessária em suas bases conceituais e que a Agência tem obtido sucesso na
busca pela sua evolução, seja no que diz respeito ao aprimoramento das regras
inicialmente fixadas, seja no gradual e natural aumento, tanto quanto possível,
do rigor nas suas ações de fiscalização, realizadas presencialmente ou à
distância, privilegiando-se cada vez mais os aspectos preventivos (foco no
futuro) em contraposição aos meramente corretivos ou punitivos (foco no que já
aconteceu).
Para isso, basta olharmos
a evolução ocorrida no que se refere às exigências estabelecidas e aos
mecanismos de controle voltados para a garantia da qualidade do produto oferecido
e dos serviços prestados pelas distribuidoras a seus clientes, embora essa
evolução, ingenuamente, possa parecer um aspecto regulatório de menor
importância frente às atuais preocupações do setor.
Tomada a cadeia de atores
envolvidos na prestação do serviço público de energia elétrica (geração,
transmissão e distribuição), as empresas de distribuição de energia elétrica
estão mais expostas a riscos, sendo que boa parte deles deve-se, justamente, ao
fato de que são as distribuidoras que atuam como elo da cadeia com a população
usuária desse serviço. Como alguns exemplos, temos:
1) Enquanto novos empreendimentos de
geração e de transmissão têm suas “tarifas” ou preços acordados nos leilões
realizados pela ANEEL, as tarifas definidas para as distribuidoras são afetadas
por uma previsão de mercado que pode não se confirmar, por força de fatores
sobre os quais não exercem qualquer controle;
2) Pressiona-se consistentemente a
parcela dos valores cobrados dos consumidores que se destina efetivamente às
distribuidoras (cerca de 16% em 2015) sendo o restante repassado ao governo sob
a forma de tributos, aos demais agentes (geradoras e transmissoras) e para
custeio de programas setoriais;
3) São igualmente as distribuidoras que
arcam com o aumento da inadimplência dos consumidores, que se amplia em
contextos econômicos menos favoráveis, fato que não as exime de transferir os
valores devidos aos governos - federal e estaduais - e aos demais agentes;
4) Naturalmente são as distribuidoras que
respondem pela qualidade do produto, dos serviços e do atendimento comercial
prestado aos consumidores, sendo exigidas pelo regulador, inclusive
financeiramente, a cumprir os padrões de qualidade fixados pela regulamentação.
Claro que não se trata de
julgar inadequada a existência de padrões mínimos de qualidade e seu paulatino
estreitamento, mas, apenas, de constatar e destacar que as distribuidoras
constituem o elo mais fortemente afetado. Pode haver um conjunto de pressões e
preocupações mais graves que as descritas acima, não apenas para as
distribuidoras, como também para geradoras e transmissoras.
De todo modo, esse elenco
de pressões ou preocupações mais contundentes, associado aos exemplos citados
exige que as empresas disponham de uma “regulação interna”, isto é, estrutura e
recursos voltados para a gestão das obrigações e necessidades regulatórias, com
vistas a detectar e apontar possíveis rupturas a serem corrigidas e não
repetidas, se já ocorridas, ou a serem evitadas, se previstas a tempo.
A boa notícia é a de que
há empresas que trabalham, neste exato momento, no sentido de prover
ferramental para esses agentes, de modo a que possam atuar na condição
descrita. Basta aguardarmos e teremos, em breve, boas novas para o cenário.
*Rivaldo de Oliveira Ferreira é o vice-presidente da Divisão de Utilities da Sonda IT, maior integradora latino-americana de soluções de Tecnologia da Informação.
*Márcio
Gualberto Pires é consultor especialista no mercado de Utilities,
com mais de 35 anos de experiência em atuação junto às principais empresas do
segmento.