por Marcus Granadeiro*
Abril de 2020 – Um dos vetores da transformação
digital é a fluidez que passa a existir no mercado e essa flexibilidade se
mostrou singular com os últimos acontecimentos após a chegada do Coronavírus,
que mudou a nossa forma de trabalhar. Quando analisamos as possibilidades do
modelo digital, podemos identificar que os concorrentes e as principais ameaças
não são mais tão triviais. Muitas vezes, os tradicionais competidores se tornam
aliados e a cadeia de suprimentos não é mais linear e simples de se entender
como no passado.
Em relação à tecnologia, até pouco tempo, bastava
para as empresas adotarem uma linha de software de projeto e havia no mercado
alguns poucos provedores e revendas que apresentavam o produto. A empresa
escolhia uma solução, comprava, fazia um treinamento para a equipe e pronto,
estava tecnologicamente atualizada. Depois, anualmente se preocupava com as
atualizações e monitorava de forma passiva as novidades do próprio fornecedor e
concorrentes, tudo de forma pontual e fácil de compreender.
Os orçamentos de TI eram corporativos e previstos
para o ano. Era relativamente fácil apropriar os custos aos projetos e as
variações aconteciam de forma muito simples e previsível. Os demais custos eram
tradicionais de informática, no máximo a contratação de um sistema de gestão de
documentos, também por meio de licença ou na modalidade de software como
serviço.
A TI não tinha uma importância estratégica. Nas
propostas era quase que um texto padrão anexado e atualizado de tempos em
tempos. O fornecedor de TI era realmente um fornecedor. A transformação digital
chegou e este cenário mudou, e mudou de forma radical.
O modelo mudou ao longo do tempo. Softwares não
são mais comprados, são alugados. Assim não faz o menor sentido pensar em
software fora do contexto de seu uso. Não se “compra” mais anualmente os
softwares, mas se “aluga” sob demanda, de acordo com o projeto e as
necessidades do projeto.
A oferta de softwares e soluções aumentou
consideravelmente e não existe mais o cenário de dois ou três players, mas
dezenas de possibilidades. Fica praticamente impossível eleger uma “solução
para a empresa”. Com os consórcios, a terceirização e as parcerias, a qualidade
que mais importa nos softwares atualmente é a capacidade de se integrar. Não é
possível mais ter um formato proprietário. A tendência é que padrões
internacionais de colaboração se estabeleçam como norma de mercado.
Com esta transformação, a estratégia de solução
deixou de impactar apenas no custo de TI, mas passa a ter o potencial de
reduzir outros custos e, principalmente, gerar valor, assim crescendo sua
importância. O fornecedor de TI precisa entender do negócio do cliente, ser um
agregador e ter um relacionamento muito mais profundo. As empresas de
engenharia vão conhecer muito mais de TI e as empresas de TI precisarão
entender de engenharia.
Por se tratar de um tema técnico, a grande
barreira para esta aproximação fornecedor/cliente é o mindset do engenheiro, ou
seja, a tradicional “autossuficiência” do profissional, que imagina que sabe
tudo, conhece tudo e é capaz de fazer. Para desconstruir essa mentalidade,
temos que nos espelhar em ecossistemas, como o automobilístico. As grandes
montadoras, como o próprio nome diz, não são fabricantes, são agregadoras de um
ecossistema de fornecedores e este é o grande valor agregado delas.
*Marcus
Granadeiro é engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da USP,
presidente do Construtivo, empresa de tecnologia com DNA de engenharia e membro
da ADN (Autodesk Development Network) e do RICS (Royal Institution of Chartered
Surveyours).