Complexo de Vira Lata


Por Marcus Granadeiro

São Paulo, 17 de julho de 2012 - Filho de engenheiro, cresci ouvindo o ditado que define o engenheiro como aquele que faz por cinco o que qualquer um faz por dez. A engenhosidade para otimizar, criar soluções, realizar, construir.... era algo que admirava e por esta razão segui a profissão.
A primeira decepção veio na escola, estudava em uma das melhores do País, no vestibular mais concorrido, e via goteiras, passava muito frio no inverno e um calor enorme no verão, cadeiras quebradas.... Como é que um Estado como o nosso, em uma faculdade de Engenharia, aquilo poderia ocorrer? Eu era muito jovem para entender.
Insisti, me formei, infelizmente em uma outra época em que não havia emprego para engenheiros e fui trabalhar no Banco dos Engenheiros, destino comum.... Mas me incomodava deixar a profissão. Saí, montei uma empresa de tecnologia para o mercado de engenharia, usando a minha formação, “fiz o cinco virar dez” e enfrentei todas as crises. Devo ter implantado CAD em umas 100 empresas e hoje é difícil ver uma empresa de traçado geométrico em que eu não tenha me envolvido.
Fui trabalhar em uma multinacional, numa época de “vacas magras”, e fiquei com a filial brasileira. Novamente “fiz o cinco virar dez”. Hoje é uma empresa conhecida, ainda modesta, mas com uma proposta séria, trabalhando com o que há de mais moderno, em um mercado crescente e gerando emprego para mais de duas dezenas de famílias.
Por que contar a minha história? Porque acredito que grande parte do sucesso foi a crença em sempre ter o melhor, a determinação de usar o que há de mais moderno, não importando se havia solução “mais barata”. Enquanto na minha pequena empresa tinha as melhores máquinas, via nas empresas de grandes clientes máquinas ruins. A decisão de participar das melhores conferências, de estudar, de investir em caros livros (naquela época não havia Amazon, Google, Cartão de Crédito Internacional etc) e me dedicar para dar ao meu cliente o melhor, otimizar da melhor maneira, criar soluções, realizar e construir viraram meus focos.
A minha segunda grande decepção veio na constatação de que a deficiência da minha velha escola não era um problema de dinheiro, mas sim um problema do governo de plantão. Era uma questão de cultura, de um “complexo de vira-lata” que a engenharia brasileira vive. O mercado não busca o melhor, busca o mais barato. Não quer saber do benefício, só se preocupa com o custo. O mercado não tem empresas que investem em pesquisa, em tecnologia e em atualização. E pior, não percebe que gastar com a ferramenta e com os recursos de trabalho não é custo, mas sim investimento.
Será que esses anúncios de prejuízos do setor imobiliário não têm relação com falta de engenharia? Fazer por dez o que se pode fazer por cinco dá prejuízo! Se não dava em época de  bolha, certamente dará ao se estabelecer a realidade.
Quantas projetistas, gerenciadoras, construtoras e supervisoras de nossas obras de infraestrutura ganham contratos exclusivamente por sua engenharia, pela inovação, pelas otimizações, soluções, realizações e construções? Como está a qualidade, prazo e custo de nossas obras públicas? 
Em geral, o advogado cobra uma porcentagem do negócio ou da disputa e entendo que correto, pois quão maior o ganho, maiores são os riscos de responsabilidades. Não dá para economizar quando precisamos deles em uma causa importante ou em um negócio de vulto.
Um médico cirurgião, por exemplo, ao ser contratado para um procedimento de cinco minutos, chega a apresentou o honorário no valor de R$ 5 mil. No meu raciocínio viciado: “Mil reais o minuto!”.  Aumentar os riscos de uma situação em função de economia? Nem pensar... Eles estão errados?
Nos orçamentos de engenharia vejo planilhas de homem/hora como se a engenharia fosse um trabalho braçal.  Nas minhas vendas vejo diretores de grandes empresas discutindo “alguns reais”, economia em itens que com toda a certeza comprometerão o produto final... uma "miopia" que as vezes assusta.  Não se analisa risco, nem do cliente e nem do profissional de engenharia, o foco está na "economia financeira" e não na economia por uma boa engenharia.
Será que somos Engenheiros com o "E" maiúsculo? Acredito que está na hora de acabarmos com este “complexo de vira lata” e darmos uma guinada em nossa Engenharia. De passarmos a entregar qualidade, valor e de exigir remuneração que pague para se ter o melhor, estudar, inovar, pois com toda a certeza, será uma fração bem pequena do que a boa Engenharia pode entregar. Aos que chegaram até o fim, obrigado pelo tempo e pela oportunidade de compartilhar esta minha aflição com vocês.

Marcus Granadeiro é diretor geral da Construtivo.com, empresa de fornecimento de solução para gestão e processos (começo, meio e fim) para o mercado de Engenharia, com oferta 100% na nuvem e na modalidade de serviço (SaaS).