Por
Daniel Domeneghetti
Já se pode notar no Brasil
um número crescente de pessoas, particularmente de empresários – homens e
mulheres – que passaram a considerar ser de sua responsabilidade o ato de
intervir positivamente em prol de uma sociedade mais justa e solidária. É vasto
o leque de motivações que une essa classe de pessoas em suas demonstrações de
participação cívica e ação voluntária, sendo evidentes fatores como o senso de
devolução social (give-back), consciência de civilidade e cidadania,
inconformismo e mesmo descrédito nas instituições públicas que, em tese,
deveriam encampar essas responsabilidades (raciocínio derivado do Contrato
Social de Rousseau).
O voluntariado social é
uma das formas de organizar os que querem pôr seus recursos, conhecimentos,
habilidades, experiência, tempo e motivação a serviço do próximo, da redução
das desigualdades de oportunidade e da diminuição das barreiras estruturais que
limitam o exercício completo da cidadania de pessoas em situação desfavorável.
Historicamente, fazer
trabalho voluntário significava, na maioria das vezes, um exercício pontual de
caridade, geralmente motivado por compaixão, religião, vivência próxima à
determinada causa ou, na ponta negativa, interesses de promoção pessoal ou
controle social. Por muito tempo, o voluntariado não conseguiu se desligar da
tradição filantrópica assistencialista e paternalista que marcou a formação da
cultura brasileira.
Nas últimas décadas,
porém, uma série de transformações mundiais e locais começou a mudar
drasticamente esse panorama. Essas transformações são resultado da conjunção de
diversos fenômenos, dentre os quais a mudança do papel dos Estados Nacionais
(que cada vez menos conseguem garantir o bem-estar social igualitário), a crise
de credibilidade dos partidos políticos (que perderam legitimidade perante a
população como mecanismos eficazes para a promoção das mudanças sociais
necessárias), o fortalecimento gradual das organizações da sociedade civil
(ONGs), como contraponto à hipossuficiência do Estado e o acirramento mais
agudo dos problemas econômico-sociais – tais como desemprego e violência – que
passaram a afetar diretamente não apenas os grupos de baixa renda restritos às
regiões periféricas (ou países do 3º. Mundo), mas também os segmentos de média
e alta renda, independente de região, ocupação e mesmo formação.
Nesse contexto, o Terceiro
Setor tem se apresentado aos cidadãos e empresas como um ecossistema mais
compromissado com a concreta transformação das realidades sociais negativas que
afetam a vida das comunidades e, portanto, dos indivíduos.
As pessoas começam a
perceber que, pelo voluntariado, podem não apenas ajudar a construir uma
sociedade mais equilibrada, como também encontrar uma alternativa ao modelo
individualista de que se tornaram reféns. As empresas modernas, por sua vez,
percebem uma oportunidade relevante de alavancar suas metas de negócios junto à
sua postura de cidadania corporativa, visto que contribuir para o
desenvolvimento e manutenção de seu ecossistema e para o incentivo à formação
de cidadãos melhores (potenciais trabalhadores e consumidores) é missão que, de
certa forma, lhe infere perenidade, além de certa dose de admiração social.
Essa conjunção de fatores
vem desencadeando uma repaginação conceitual do chamado trabalho voluntário e
de suas prerrogativas tradicionais.
A exemplo do que vem
acontecendo em todo o mundo, muitas empresas no Brasil começam a reconhecer o
valor do incentivo e apoio ao envolvimento e desenvolvimento dos seus
colaboradores como agentes voluntários em suas comunidades de entorno,
geralmente reforçando com compromisso pessoal e presencial o tradicional apoio
financeiro dado por essas empresas aos diversos projetos ou programas sociais
capitaneados por ONGs e representantes dessas comunidades. Em outras palavras,
não basta financiar, há que se arregaçar a manga, literalmente. Como efeito
prático, tal atitude tem resultado em satisfação pessoal para o funcionário
voluntário e inúmeros benefícios para a comunidade, gerando direta ou
indiretamente enormes ganhos para a empresa envolvida no processo.
Por
agregar forte caráter de mudança comportamental corporativa, o voluntariado
empresarial tem sido peça relevante na definição dos modelos de
responsabilidade social e sustentabilidade nas empresas, contribuindo em muito
na separação das formas tradicionais de filantropia social desconectadas da
prática e do envolvimento da empresa com a causa de sua matriz de negócios e
operações. De certa forma, uma coisa passou a ser filantropia corporativa e
outra responsabilidade social… ambas válidas, mas diametralmente distintas.
Dentre
as diversas práticas e atribuições, um programa sistêmico de voluntariado
empresarial deve comprometer a empresa a:
1. Assumir o compromisso de colaborar
sistemicamente com uma causa (ligada a seu setor, core-business ou práticas de
negócio), representada ou não por alguma organização específica (ONG),
disponibilizando de maneira programada e responsável recursos físicos,
financeiros e humanos,
2. Incentivar seus funcionários a aderir
a trabalhos voluntários nas causas de sua própria escolha, em períodos
pertencentes ao seu horário padrão de trabalho (associar trabalho voluntário a
horas não produtivas – ou seja, tempo livre – é prática comum, válida, mas em
boa dose demonstrativa do baixo compromisso prático da empresa com a causa em
questão),
3. Organizar e potencializar projetos que
podem ser coordenados e executados por seus funcionários, representantes
legítimos da empresa,
4. Formar uma equipe de funcionários,
atribuindo-lhes a responsabilidade de planejar e gerenciar as atividades
voluntárias da empresa para com aquela causa ou organização,
5. Reconhecer, de forma especial, aqueles
colaboradores voluntários que se destacaram em participação (sem, contudo,
prejudicar sua performance profissional nas “coisas” da empresa), inclusive
através de premiações e até bônus financeiros adicionais,
6. Gerar conhecimento e transferir
know-how continuamente aos colaboradores (e mesmo aos apoiados), através de
modelos de educação corporativa ou troca experiencial de informações, acerca
dos temas ligados às questões de responsabilidade social ou às causas apoiadas
pela empresa.
As empresas têm demonstrado
vontade e capacidade de se adaptar às “melhores práticas” desse tipo de
iniciativa, independentemente de fronteiras nacionais. Como resultado, surgiram
modelos globais de responsabilidade social para empresas, dos quais o
voluntariado empresarial sempre é peça relevante.
Cumpre salientar que, sob
a óptica do RH, os programas de voluntariado empresarial auxiliam no
desenvolvimento de habilidades pessoais, interpessoais e profissionais
positivas para a empresa, promovendo lealdade e satisfação com o trabalho, além
de ajudar a construir reputação positiva e atrair e reter funcionários
qualificados que dispõem deste perfil, valor ou interesse.
Por fim, o voluntariado
empresarial, como qualquer outro programa corporativo, precisa ser tocado e
medido com critérios de eficiência, dispondo dos meios e recursos necessários à
sua execução, gestão profissional e avaliação de resultados. Na prática, é
sempre uma minoria que participa, mas é esta minoria que faz a diferença.