Varejo calçadista: impactos no consumo durante períodos de crise

por Arthur Schuler da Igreja* 

Desde o início de 2015 não se fala em outra coisa no Brasil: crise e instabilidade política. Este cenário começa a passar por uma importante transformação exatamente no campo político e devemos ter um panorama mais claro e definido no final de agosto com a efetivação do processo de impeachment. De toda forma, a recuperação não acontecerá instantaneamente e grandes mudanças no consumo varejista já aconteceram. É hora de você compreendê-las para adaptar ao seu negócio.
Podemos dizer que mesmo com a retomada da economia, o consumo não vai se recuperar tão rápido. Quando analisamos o varejo, este foi fortemente impulsionado nos últimos dez anos pelo aumento da oferta de crédito e a população brasileira passou a acessar essa condição em maior volume e com juros menores, impulsionando fortemente o consumo varejista. Neste momento, temos, além dos juros em alta, a volta da inadimplência. Muitos lojistas têm tentado promoções baseadas em parcelamentos mais extensos e a tendência é de que isso não funcione, pois o consumidor já está com o orçamento pessoal comprometido. Dica: é hora de rever seu portfólio de produtos e fazer promoções, ou seja, crie opções atrativas para pagamento à vista com valores menores.
A cesta de consumo também mudou, então mude você também. Além da restrição orçamentária, a inflação e, especialmente, o desemprego alteram a psicologia de consumo. Chamo aqui a atenção para o “Índice do mal-estar”, que nada mais é do que o somatório de inflação e desemprego. Em 2014 este índice estava em 10,71% -4.3% de desemprego + 6,41% de inflação. No primeiro semestre de 2016 este índice superou a casa dos 20%. O resultado é o aumento do medo de perder o emprego ou da necessidade de suportar algum parente próximo que já perdeu o emprego ou está endividado.
Em virtude deste cenário, o consumidor prioriza elementos essenciais da cesta de consumo e surge fortemente o fenômeno de trading down. Em outras palavras, na medida do possível ele buscará os mesmos produtos, mas em versões mais simples e acessíveis, que simulem a experiência de consumo do produto “pleno”, mas de forma mais realista ao novo cenário. Então, mais uma vez é hora de rever o portfólio: que tal incorporar as grandes tendências das passarelas, mas com opções mais simples e acessíveis?
E o que fazer com a linha intermediária de produtos? A dica é usar a estratégia de trading up, mas para os varejistas focados no segmento de luxo. Toda crise gera concentração de capital no sistema financeiro, ou seja, o dinheiro para de circular. Os mais abastados deixam suas reservas sendo multiplicadas com os altos juros e tendem a consumir produtos de alto valor agregado. Caso seu comércio esteja orientado para esta faixa, é imprescindível aumentar o nível de luxo na sua próxima programação. Dica: para a linha intermediária, lembre-se que a classe média alta está viajando menos para fora do Brasil em virtude do cenário macro e do dólar. Busque alternativas que satisfaçam estes consumidores com o mesmo perfil de produto que eles buscavam há dois ou três anos atrás nos EUA ou na Europa.
E as perspectivas futuras? Devemos ter uma estabilização mais perceptível no segundo semestre, queda da inflação e redução dos juros no final do ano. A confiança dos empresários já está em recuperação. O próximo passo é a retomada da confiança do consumidor. Estas etapas são fundamentais para o reaquecimento do varejo, que deve vir com mais força no próximo ano. Os investimentos precisam de dois elementos básicos: atratividade e previsibilidade. O Brasil é atraente do ponto de vista de atratividade, ou seja, retorno. Tão logo se torna previsível, a economia cresce e estimula o consumo. Contudo, lembre-se: o Brasil continua sendo um dos mais importantes mercados consumidores do mundo. Existem inúmeras empresas crescendo, a crise representa a média de todas as empresas, não o somatório delas. Quem se adapta mais rápido, emprega mais tecnologia e bom atendimento, ou seja, sempre estará à frente. Bons negócios!


*Arthur Schuler da Igreja é conselheiro estratégico da SetaDigital, empresa brasileira especializada em soluções de gestão para o setor calçadista, e professor da FGV-RJ