por Rodrigo
Castro*
Atrelada
à inovação de alterar toda a estrutura do sistema financeiro mundial, a criação
da Libra, a criptomoeda do Facebook, também traz discussões laterais sobre os
seus impactos na economia global. Se bem implantada, há um público potencial de
2,4 bilhões de usuários da rede social de Mark Zuckerberg. Os riscos são vários
e podem afetar tanto a soberania de nações, assim como o ambiente das empresas.
Sob
o prisma macroeconômico, o principal risco está associado à perda da
independência de alguns países que podem ver sua moeda substituída pela Libra,
algo que eu chamo de “libralização” das economias. Este processo de
enfraquecimento de moedas locais pode se iniciar por uma corrida de demanda
para as moedas que compuserem esta cesta de ativos da libra, gerando o
enfraquecimento de moedas fora da cesta, como o Real, por exemplo. Com a moeda
fraca, alguns países serão forçados a ancorar sua moeda na nova Libra, uma vez
que será um ativo com maior reserva de valor e, a depender da implantação, um
meio de troca efetivo.
Rodrigo Castro |
Para
isto, os bancos centrais desses países passariam a comprar Libras imprimindo
cada vez mais moeda local, que enfraqueceria a ponto de perder a sua
importância e ser definitivamente substituída. Neste cenário, o país cuja
economia está “Libralizada” abre mão de sua política monetária e cambial e não
terá mais soberania e, muito menos, autonomia sobre a sua moeda.
Outra
ruptura, agora sob o prima microeconômico, está no total redesenho do mercado
financeiro dos países. Para efeito de ilustração, algo semelhante ao que o
Uber, Airbnb e Netflix fizeram respectivamente com os mercados de mobilidade,
hotelaria e mídia de entretenimento. Ou seja, uma solução mais simples, fácil e
barata de usar rompe com o modelo tradicional do mercado e, por consequência,
com seus participantes.
As
fintechs de meio de pagamento locais poderão sucumbir ou perder grande
relevância. Este processo já pôde ser visto, por exemplo, no Quênia, onde a
Vodafone criou o M-Pesa, que é uma espécie de banco por celular. Esta solução
foi massivamente adotada no País, encampando mais de 60% da população adulta do
país. Na China, o WeChat, similar ao Whatsapp, possui um sistema completo de
meio de pagamento que permite transações online e offline. Porém, em ambos os
casos, as empresas usam moedas locais para transações e não desenvolveram seu
próprio dinheiro.
Já
do ponto de vista da ética organizacional e compliance, algumas das companhias
que fazem parte da Associação Libra não possuem um histórico ilibado a ponto de
carregar a confiança de todas as partes em uma moeda global. Basta lembrar de
casos como o acesso ilegal de dados de usuários do Facebook pela Cambridge
Analytica, as acusações de manipulação das eleições na África e as implicações
da empresa no genocídio de Mianmar. Alega-se, porém, que comportamentos
individuais das empresas seriam contidos na associação que seria composta, em
grandes linhas por empresas de alta reputação.
Este
mesmo argumento não faz efeito para as grandes instituições financeiras da
atualidade, que permitem anualmente a lavagem de USD 2 trilhões. E falando em
lavagem de dinheiro, esta é uma questão que fica em suspenso nesse novo sistema
financeiro. A livre transação da Libra entre fronteiras, por meio de carteiras
desassociadas das identidades dos seus donos, é um prato cheio para esquentar
dinheiro ilícito. Além disso, a falta de transparência sobre os detentores das
reservas de lastro da Libra pode gerar impactos sistêmicos em economias reais.
Há
inúmeros outros riscos que podem ser explorados. A oportunidade de prover acesso
ao sistema financeiro para uma massa de “desbancarizados” e à margem do
atual modelo, passando pela separação entre estado e dinheiro, já é uma
realidade. Porém, há dois caminhos postos no horizonte. Transferir esta tutela
para a população, por meio de um sistema verdadeiramente descentralizado, ou
concedê-lo a um grupo de empresas que regerão o novo sistema financeiro.
*Rodrigo Castro é diretor de riscos e performance na
ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos,
compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.