Por Antonio Carlos Hencsey*
Ao
assistir um jogo de futebol com uma criança de cinco anos, fui questionado
sobre a relevância da figura do árbitro uma vez que os jogadores, adultos,
deveriam saber resolver o que era certo e errado.
Enquanto
eu olhava para ele desejava mentalmente que, de fato, a simplicidade, a pureza
e a coerência de seu pensamento se aplicassem não só àquela situação esportiva,
como também a diversas outras nas relações sociais do dia a dia. Respirarei
fundo e tentei explicar, de forma resumida, a complexa rede de interesses e
escolhas formadas por indivíduos que satisfazem suas necessidades e interesses
a bel prazer, em detrimento do bem-estar coletivo.
Ainda
tomado pela indagação infantil, refleti sobre todo o conteúdo acadêmico que
acumulei sobre esse tema e pensei em como Kohlberg descreve o processo de
aprendizagem do certo e do errado desde a infância. Na verdade, lamentei como é
uma pena que nem todo adulto chega ao estágio de desenvolvimento moral no qual
a internalização de valores torna desnecessário o controle externo e a
necessidade de punição ou a desaprovação do olhar do outro.
Antonio Carlos Hencsey |
Sejamos
realistas. Temos deslizes. Fato! E o comportamento correto absoluto é
inexistente. Entretanto é enorme a proporção no volume de ações individuais e
coletivas vistas ultimamente que desconsideram os acordos básicos da boa
convivência social, visando apenas a obtenção de benefícios pessoais imediatos
ou futuros.
É
fácil colhermos exemplos de condutas ilícitas motivadas por um viés
individualista não apenas no universo do futebol, mas também nos ambientes
social e corporativo. São exemplos que desafiam as boas práticas de
convivência, do bem comum, e exaltam o lado cruel do individualismo.
Impressiona a dificuldade de compreensão sobre como um acordo coletivo não deve
ser sobreposto de maneira interessada, autoritária ou desrespeitosa. Que
contratos, explícitos ou não, que regem correto para um grupo precisam ser
respeitados porque assim deve ser. Sem mais.
Talvez
minha tese seja provada com o fato de que atos de fair play viram
notícias ao invés de serem regra. Que seus autores se transformam em “heróis
sem capa” acusando falhas de arbitragem que os prejudicam ou até mesmo
devolvendo bens de valor que não lhe pertenciam.
Parafraseando
um famoso comentarista esportivo, a regra é clara e a diretriz também. Nela,
deve-se definir o que pode e o que não pode e, na dúvida, o espaço para
consulta faz-se necessário, porém seu caminho deve ser previamente conhecido
bem como suas fontes de referência formais. Nada pior do que querer fazer a
coisa certa e não haver um caminho que o direcione para tal.
É triste
ainda referenciarmos a famosa “mão de Deus” de Maradona, que até hoje é vista
como um ato de genialidade por muitos e que em nada difere de fraudes
corporativas que resultam de bônus milionários comemorados como atos de
brilhantismo intelectual. Ah, a lógica infantil pudesse ser aplicada e os
jogadores pudessem jogar sem os árbitros, se as empresas não precisassem de
compliance e se a sociedade não precisasse de juízes...
*Antonio
Carlos Hencsey é pai de três filhos, psicólogo e
diretor das áreas de Cultura, Comportamento Ético e Educação Corporativa da
consultoria ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de
riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de
dados.