por Adriel Santana e Alice
Cinelli*
Constantemente, somos informados de escândalos
envolvendo a administração do dinheiro público. O mais recente deles envolve o
levantamento dos gastos de mais de R$ 1,8 bilhão em alimentos consumidos por
todos os entes diretos e indiretos ligados ao Poder Executivo Federal em 2020,
que registrou um aumento de 20% em relação a 2019. Alguns desses valores
chamaram a atenção da população, como os mais de R$ 15 milhões gastos em leite
condensado, os bombons com valor unitário de R$ 89,00 e até despesas
milionárias com chiclete.
Diante do exposto, é necessário um monitoramento
frequente das atividades desses representantes para que os interesses coletivos
sejam atendidos. Uma das formas mais acessíveis e públicas para o povo exercer
esse monitoramento é por meio do acesso aos gastos governamentais
disponibilizados no Portal da Transparência. Por meio dele, qualquer cidadão, a
qualquer momento, pode obter e analisar esses dados.
Apesar de estar em operação desde 2004, tendo seu
direito assegurado pelas Leis da Transparência e do Acesso à Informação, o
Portal da Transparência é pouco acessado pelos cidadãos e não são todas
as pessoas que sabem como, por conta própria, conduzir uma pesquisa
satisfatória que encontre sinais de irregularidades nas contas públicas
divulgadas pelo Estado. Há, contudo, um passo a passo bem básico que qualquer
um pode seguir para checar se o dinheiro público está possivelmente sendo mal
aplicado por uma determinada entidade. Veja a seguir.
- Análise de preços de acordo com a localização geográfica
- para averiguar se um determinado gasto público é suspeito, é preciso
observar, com base nos dados financeiros divulgados pelo ente público em
questão, se os preços dos produtos e serviços contratados fazem sentido
mercadológico, procurando por indícios de superfaturamento nos valores
informados. Para isso, deve ser feita uma comparação com preços expostos
por empresas da região onde houve a contratação, do mesmo ramo de mercado,
e que ofertem os mesmos bens e serviços.
- Número de licitações públicas - após identificar um caso
suspeito, deve-se então analisar se há mais contratos públicos em que a
empresa contratada figure como parte. É importante olhar em diversos entes
diferentes para ver se a empresa participa frequentemente de licitações
públicas. Isso ajudará a detectar um padrão geral de atuação da companhia
contratada e, mais importante, se ela é beneficiária de muitos contratos
públicos, com poucos ou muitos entes.
- Coleta de informações básicas - é fundamental coletar as
informações básicas da empresa investigada na Receita Federal e, se
possível, na junta comercial do Estado onde fica a sede ou filial que
figura no contrato. É recomendado examinar o que consta no CNAE
(Classificação Nacional de Atividades Econômicas), qual o endereço, o
telefone, o e-mail, a data de criação da companhia e os sócios. Todos
esses dados deverão ser posteriormente pesquisados a parte em busca de
conexões com outras pessoas físicas e jurídicas.
- Checagem de informações básicas - concluído o
levantamento das informações básicas nas fontes citadas, é pertinente
verificar no Google Maps o que realmente está localizado no endereço
formal da empresa. É preciso, porém, se atentar a data da foto divulgada
pelo Google, já que, em alguns casos, ela pode ser anterior à fundação da
companhia investigada. Por outro lado, há também a possibilidade de
"voltar no tempo" no Google Maps para visualizar fotos de
períodos mais antigos e checar se a empresa funciona naquele local desde a
época de sua criação.
Outro recurso válido é ligar para o telefone da
empresa, divulgado na Receita Federal ou no seu site (se houver,) e fazer um
teste: se passe por um cliente e realize a cotação do serviço ou bem contratado
pelo ente público.
- Pesquisa nas redes sociais - depois de esgotar a análise
da companhia, cabe pesquisar os sócios formais dela. As redes sociais são
ótimas ferramentas para procurar indícios se estas pessoas podem ser
laranjas ou se o estilo de vida exibido publicamente é compatível com o
porte da empresa onde são sócios. Fotos públicas e marcações de locais
onde frequentaram são boas evidências, tanto no Instagram como no
Facebook.
Deve-se averiguar também se os referidos sócios
informam ter outra ocupação profissional, geralmente no Facebook e LinkedIn,
prestando atenção em especial se forem empregos de baixa remuneração, além de
checar se eles possuem vínculos ou conexões nas redes sociais com pessoas do
setor público, em especial com as que atuam no ente que contratou a empresa.
- Denúncia - por fim, é fundamental salvar todas as
evidências que encontrar. Elas servirão para fazer uma denúncia formal ao
setor responsável por fazer a fiscalização daquele ente, o que pode ser
tanto interna – geralmente, entes públicos possuem um canal de denúncia -
como externa, como é o caso do Tribunais de Contas e Ministério Público
respectivamente responsáveis por examinar as contas públicas do ente
contratante. Se for um ente federal, deve-se procurar o Tribunais de
Contas da União e o Ministério Público Federal. No caso de entidades
estaduais e municipais, os órgãos equivalentes.
Seguindo esse guia rápido, qualquer cidadão pode
fazer sua parte para não apenas encontrar irregularidades no uso do dinheiro
público, como efetivamente fazer algo para impedir que este prejuízo continue a
ocorrer e, com uma dose de esperança, torcer para que os responsáveis pela
irregularidade sejam punidos.
*Adriel Santana é coordenador de Forense e Investigações
Empresariais e Alice Cinelli é analista de Forensic e Investigação Empresarial,
ambos na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de
riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de
dados.