por Eduardo Masulo*
Somente no ano passado, quando fomos impactados
pela pandemia da Covid-19, o Brasil movimentou R$ 287,9 bilhões no mercado
ilegal, segundo o FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria), valor que, apesar
ser expressivo, apresentou uma redução se comparado com 2019, que registrou R$
291,4 bilhões. Diante desses números, estima-se que o País deixou de arrecadar
cerca de R$ 90 bilhões em impostos que poderiam ser revertidos em educação,
saúde e segurança, entre outros benefícios para a sociedade.
A baixa redução de 1,2% de movimentação no
mercado ilegal entre os anos, teve ligação direta com as ações em combate ao
vírus: barreiras sanitárias em fronteiras apreenderam materiais
contrabandeados, houve baixa circulação de pessoas nas ruas e a restrição de diversão
adulta noturna impactou diretamente o consumo de cigarros ilegais e de bebidas
alcoólicas falsificadas ou contrabandeadas.
Mas, qual a origem e atos ilícitos que alimentam
esses negócios? Contrabando, descaminho e roubos de cargas, que são crimes de
baixa repercussão e julgados como menor potencial ofensivo e com penas brandas,
o que, de certa forma, estimulam o “arriscar” por parte de cidadãos de valores
deturpados ou em fragilidade financeira.
E como esses produtos chegam nos pontos de
vendas, como os óculos vendidos por ambulantes na praia, assim como maquiagens,
artigos de perfumaria, cosméticos, brinquedos, materiais esportivos e
eletroeletrônicos vendidos em banquinhas de ruas, conhecidas como camelôs? Isso
sem falar da TV por assinatura pirata. O que sempre julgamos como sociedade
como algo inofensivo, foi a porta descoberta para enriquecimento e
fortalecimento do crime organizado, que evoluiu enquanto nosso código penal
não. Havendo mercado consumidor desses produtos e serviços, o crime estará
presente. A sociedade tem ampla responsabilidade neste sentido e precisa se
conscientizar dos seus deveres éticos e morais para que esse cenário seja
controlado.
Nossa cultura vive uma notória inversão de
valores. Os agentes fiscalizadores passam a ser os vilões quando cumprem seus
deveres, enquanto a sociedade tende a se sensibilizar pelo lado do “trabalhador
informal”, colocando-o como vítima sem perceber os malefícios desta postura,
que desconhece o caminho percorrido desses produtos, muitas vezes às custas de
sangue. Quando isso ocorre, passamos a ser cúmplices.
Um outro problema nada incomum, infelizmente, é a
ausência de fiscalização, seja por falta de braços dos órgãos responsáveis ou
pela omissão por não querer correr riscos ou por interesses escusos. Em ambos
os casos, quem se beneficia é o crime organizado, que expande seus territórios
e nichos de mercados em velocidade surpreendente.
O aumento do desemprego também é outro impacto,
pois, em decorrência das facilidades listadas aqui com concorrências desleais,
empresas fecham postos de trabalhos e reduzem linhas de produção. Somente a
indústria do tabaco no Brasil, em 2019, deixou de gerar cerca de 173 mil
empregos diretos e indiretos no cultivo, transporte, armazenamento e
distribuição.
É preciso esclarecer que não há julgamento de
valores sobre pessoas ou instituições. Porém, é necessário demonstrar que, por
meio da própria sociedade e de seus comportamentos indevidos da cultura do
benefício próprio - a maioria por falta de informações e outros por conivência
- o crime organizado se fortalece e está deixando de ser alimentado somente por
venda de drogas. Os delitos estão se reinventando e os mecanismos de combate
precisam evoluir. Mas, a sociedade precisa entender o seu papel dentro deste
processo. A ética é um exercício diário que não pode deixar de ser praticada
para atender aos interesses pessoais.
*Eduardo Masulo é consultor sênior na ICTS Security, empresa de
origem israelense que atua com consultoria e gerenciamento de operações em
segurança.