por
Iuri Camilo de Andrade*
Imagine o
seguinte cenário: sua empresa identifica uma situação na qual há indícios de
furtos de mercadorias ou é notificada, via canal de denúncias, sobre uma
suposta negligência ou conivência nos processos internos, ou ainda, existem
suspeitas de sabotagens em máquinas e equipamentos em uma linha de produção. O
que você faria?
Geralmente os
mapeamentos de processos têm caráter preventivo, seja para identificar os
controles a serem implantados, corrigir os já existentes ou para qualificar a
empresa para uma certificação ISO, por exemplo. Mas, você já ouviu falar em
mapeamento de processos de cunho investigativo?
Mapear processos
nada mais é do que identificar e gerenciar os riscos. Já os mapeamentos de
cunho investigativo se iniciam após a identificação de um sinistro:
acidente, incêndio, falha processual, furtos, roubos, sabotagem e espionagem.
É necessário
destacar que, antes de iniciar qualquer mapeamento de processos, o profissional
deve se familiarizar com o negócio da empresa. Ou seja, antes de mapear uma
linha de produção após um incidente, é importante estudar, pelo menos de forma
macro, como se produz determinado produto. Se o mapeamento for aplicado no
varejo, por exemplo, é recomendado estudar minimamente as nuances do
armazenamento e transporte das mercadorias. Se for na indústria, entender as
peculiaridades e características dos produtos. No agronegócio, estudar sobre
cadeia produtiva agrícola ou pecuária.
De início, é
considerável ficar atento aos diferentes tipos de estruturas que envolvem o
processo. Por exemplo, existem linhas de produção ou de expedição que possuem
ambientes físicos fechados, confinados, abertos ou um misto de ambientes. Nesse
último caso, as mudanças ambientais são fatores relevantes durante o
mapeamento, visto que é possível ter processos que envolvam a produção e o
carregamento de produtos em espaços fechados ou confinados, assim como o
transporte com veículos em espaços abertos dentro da planta ou site. Portanto,
a análise do layout e da conjuntura das atividades que englobam um processo é
crucial do início ao fim do mapeamento. As fragilidades podem estar em detalhes
que passam despercebidos.
Para saber como
se faz um mapeamento na prática, é possível considerar cinco etapas, conforme
listadas abaixo.
- Visitas
in loco e entrevistas de mapeamento: podem ser realizas simultaneamente. É
importante a presença do profissional na área afetada para conhecer os
principais atores e fazer um diagnóstico de análise situacional,
estabelecendo um score resultante do nível do cargo e o grau de
contribuição do entrevistado. Se necessário, é possível aplicar questionários
customizados para ampliar a coleta de informações, possibilitando que os
colaboradores da área afetada, principalmente a operação, se manifestem
também por escrito.
- Aplicação
de questionários customizados: é importante deixar claro a
confidencialidade das informações, com imparcialidade e autonomia da
equipe que conduz a atividade. Com um discurso correto e tirando dúvidas
ao longo do processo, os questionários podem estimular a operação para
sinalizar não conformidades e suspeitas de pessoas envolvidas no caso
investigado.
- Análise
de documentação: é crucial documentar o mapeamento com anotações e
registros fotográficos para ilustrar como funciona o processo, comparando
a documentação existente com a execução do processo na prática.
- Entrevistas
exploratórias de caráter comportamental: a partir de incongruências
obtidas na coleta de informações verbais ou por escrito, o mapeamento pode
ser finalizado com entrevistas para identificar suspeitos ou envolvidos em
condutas irregulares, se existirem indícios. A partir dos riscos que forem
sendo identificados, é necessário criar uma matriz apontando as eventuais
não conformidades com as normas regulamentadoras que afetam o processo e
sinalizando alguns influenciadores ou gatilhos que proporcionaram as
vulnerabilidades encontradas.
- Relatório
de mapeamento: culmina na criação ou melhoria do plano de continuidade dos
negócios com base nas recomendações fornecidas diante das constatações e
conclusões parciais ou finais. Nesse passo, a organização deve planejar
modificações, até em termos culturais, visto que o trabalho final não
elimina os riscos, mas, sim, o reduz a níveis toleráveis.
A empresa ficará
com um dever de casa, no sentido de reestruturar suas metas, volume da
produção, realinhar o perfil da liderança e analisar o triângulo “segurança,
qualidade e produção”, percebendo como os pilares recebem a devida criticidade
de forma corporativa e como são disseminados na operação. Não são raros os
diagnósticos de mapeamentos em que o pilar da segurança vem por último ou é
negligenciado em detrimento da produção ou expedição de mercadorias.
É importante que
as recomendações sejam compiladas em projetos e que envolvam de forma direta o
combate a desperdícios e a variabilidade dos processos, resultando em maior
segurança, qualidade e produtividade.
Portanto, o
mapeamento de processos de cunho investigativo terá o objetivo de suportar a
empresa na contenção da irregularidade identificada e os benefícios esperados
são a possibilidade de uma lição pedagógica aos envolvidos diretos ou indiretos
no processo, assim como confirmar ou descartar a ação humana intencional na
conduta investigada e, caso confirmada, apontar suspeitos ou autores, trazendo
hipóteses ou evidências que suportem o diagnóstico.
*Iuri Camilo de Andrade é
consultor sênior, especialista em investigações corporativas na ICTS Protiviti,
empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG,
auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.